Perder algo ou
alguém mobiliza nossa inestimável capacidade de reconstrução, de resignificação
das decisões e das metas. A perda instaura o vazio, e o vazio incita a busca; é
somente a partir da sensação de falta que as ações ganham uma contundente definição,
isto é, provocam um envolvimento
deliberado de desarticulação dessa falta. No entanto, ainda que conscientes
dessa realidade, dificilmente não nos abatemos frente à frustração de uma
perda. Em nossa percepção (em nossos sentimentos, em nossa razão, em nosso
corpo), perder é sempre algo ruim, doloroso, um mal que deve ser evitado. Mas
será que a perda é algo sempre tão ruim?
Desde que
nascemos, sofremos a experiência da perda. O aconchego do útero logo cede lugar
a uma variada gama de agressões ao corpo; o contato com este mundo estranho e
heterogêneo grava em nossa história uma inegável verdade: a vitalidade da
existência humana pressupõe a falta, o afastamento, a incompreensão e a
degradação; enfim, pressupõe a inevitabilidade da perda. Portanto, cada segundo
da vida mobiliza a realidade da morte, cada momento ou tempo de felicidade está
em íntimo contato com a experiência aflitiva. Estamos, na verdade, fazendo
piquenique em um desconhecido campo de guerra. Mesmo com a força da
racionalidade, estamos entregues a um fluxo de ações que nos atingem de forma
imprevisível.
Se tivéssemos
tais ponderações em mente a cada minuto, abraçaríamos talvez o desvario; talvez
deixaríamos de experimentar o prazer necessário ou até correríamos o risco de
tornar banais as interações que importam significados a nossa vida. O cenário
acima esmiuçado sugere que a perda não é uma exceção. Muitas vezes, nos
iludimos com uma falsa estabilidade, com a ideia de que nossos pequenos paraísos
são eternos. Todavia, quando somos sufocados por uma pequena ou grande perda,
temos enorme dificuldade de moldar novas possibilidades de superação.
Na Arte da guerra, no capítulo
“Contingências”, Sun Tzu diz: “Um general sábio deve levar em consideração as
vantagens e desvantagens. Conhecendo as vantagens, ele terá sucesso nos seus
planos. Conhecendo as desvantagens, ele poderá solucionar as dificuldades.”
Mais a frente, afirma também que não se deve esperar a ausência do inimigo,
tampouco a retração de seu ataque. Tais reflexões podem ser facilmente
associadas à metáfora (tão bem conhecida e propalada pelo senso comum) da vida
como campo de batalha. Assim como o inimigo é inevitável, a perda também
é. A questão principal é como lidar com
ela.
Acredito que é
preciso “interrogá-la”, conhecê-la, interpretá-la. Afinal, assim como há
diferentes tipos de derrotas em guerras, existem diversos tipos de perdas.
Algumas são reversíveis, outras não. Entre as reversíveis, há aquelas que se
pode reverter em longo ou curto prazo. Algumas nos prostram, outras nos
conduzem à superação. Algumas são para o nosso bem, outras nos desgraçam.
Contudo, seja qual for o tipo, a possibilidade de outras vitórias nunca morre. Além disso, uma perda nunca é apenas
perda. É óbvio que em meio à frustração ou à dor, é quase impossível discernir
isso. É inevitável ficar triste, sofrer ou chorar; é imprescindível, quando vem
uma perda, ficar triste, sofrer ou chorar. Somos humanos, não máquinas. No
entanto, torna-se vital, após a crise, traçar avaliações que impulsionem atitudes
renovadas. Ou é isso ou emperramos.
Quais foram as
perdas deste ano? Nesta época, de comemorações de fim de ano, tal indagação
pode se tornar uma profícua fonte de autoconhecimento e de tomada de decisões. Muitos
evitam essa indagação por medo; outros muitos simplesmente a evitam por não se
importarem com isso. Aí quando as perdas se repetem, não desenvolveram uma
força defensiva imprescindível a posterior superação.
Ninguém gosta
de perder, ninguém planeja perder. Entretanto, creio que saber aceitar certas
perdas é parte essencial de nosso amadurecimento. De fato, podemos (e devemos)
reverter diversas situações com empenho, estratégia, pedido de ajuda, fé,
coragem, paixão... Mas às vezes a perda é irreversível mesmo, por mais
obstinados que sejamos. Nesse caso, só resta confiar, e acreditar, e refletir,
e conversar, e esperar, e reconhecer as pequenas felicidades que nos amparam no
dia a dia. Lembra-nos Boécio em sua obra A
consolação da filosofia:
E conserva o
essencial, mesmo tendo perdido os detalhes.
Por isso, um
homem que procura a verdade
Vive numa
situação intermediária: ele não sabe
E, no
entanto, não ignora de tudo;
Ele conserva
e evoca o essencial,
Ele reflete e
lembra-se do que viu lá no alto
De forma que
pode ajuntar as partes esquecidas
Àquelas que
ele conserva.
Às
vezes o confronto, outras vezes a resignação, mas sempre a vontade de ir além
das distâncias que a vida nos impõe. Um abraço a todos e ótimas festas.