domingo, 9 de setembro de 2012

Vivendo com as distâncias


Convivência

                O fluxo conflituoso da convivência nos atinge desde cedo. Aprendemos que para vencer na vida devemos obter conhecimentos necessários, buscar nossa independência e aperfeiçoar aptidões pessoais e profissionais. Todos esses passos nos lançam em um circuito de disputa e legitimação, nos empurram a favor e contra os semelhantes. A jornada pela vida agrega, porque todos precisam do outro para a construção da identidade; por outro lado, a alteridade também precisa ser desafiada para que essa identidade se consolide. Por essa razão, a convivência é desde cedo conflituosa, ambígua e necessária: estar com é paradoxalmente um alento e um estado de alerta, é a condição sine que non da significação da existência e o seu fardo. Se por causa do outro que nos tornamos sublimes, pelo outro também atingimos os mais altos graus de barbárie.
                Conviver é uma arte, é uma potência que mobiliza o sentimento e o intelecto. É arte porque exige uma série de estratégias para a manutenção do equilíbrio; é potência porque obriga a aproximação não planejada das diferenças. De qualquer forma, o que persiste é o enigma, pois encontrar elos de aproximação fraterna não é uma fórmula ajustada por uma equação matemática. Daí a importância da luta para a manutenção duradoura dos vínculos que nos fazem saborear a vida. São esses vínculos que nos permitem ignorar o contrapeso das associações que agridem as conquistas de nosso crescimento.
                Muitas convivências sublimes são destruídas pela fatídica desatenção a respeito do valor das pessoas em nossa vida. As perdas geralmente acontecem quando queremos impor excessivamente nossa individualidade. Associado a isso, há o fato de que continuamente tendemos a dispensar o outro e a tratá-lo como mercadoria, ou seja, se a alteridade não atende às expectativas iniciais da insana vontade, ela deve ser ignorada e trocada por outra. Simplesmente não nos importamos, não tentamos compreender, tampouco ceder. O que realmente tem valor é o que eu sou, por isso, o outro se torna um mero detalhe. As consequências disso? Deixamos de lado os frutos de coexistências que nos movem para além dos muros de nossa mediocridade.
                Algumas perdas são inevitáveis e até necessárias. Por isso mesmo é imprescindível a valorização das nossas verdadeiras redes de convivência sublime. Não me refiro somente às amizades ou aos relacionamentos de maior intimidade afetiva. As convivências sublimes também abrangem os encontros ocasionais ou de poucas intimidades: colegas, conhecidos ou até desconhecidos podem ser importantes para o cultivo do sagrado na vida humana. Mas isso apenas será viável quando tivermos consciência de que determinados momentos de convivência precisam ser saboreados, tanto os mais simples e quanto os mais grandiosos. O cultivo do sagrado será possível quando o ritmo das obrigações ceder algum lugar ao ritmo da experiência e do compartilhamento presencial; principalmente, quando a companhia não for somente corpo, função, número ou endereço virtual, mas sim uma fonte de possíveis trocas de atenção e cuidado, ou seja, uma pessoa.
                A valorização da convivência é um exercício de acertos e tropeços. É um exercício valioso e difícil, mas que se praticado com regularidade abre caminhos que transformam a existência em algo muito maior do que as mecânicas obrigações diárias.
Hudson