domingo, 1 de abril de 2012

Apoteose da mediocridade



        Assistimos massivamente à vitória da irrelevância e do fragmento. A crescente possibilidade de conexão e geração de fluxo nos impele cada vez mais a marcar os passos da nossa existência no mundo. Atualmente, o volume de informações nas redes sociais mostra um caminho sem volta nas relações humanas: estamos condenados a nos integrar de alguma forma ao universo virtual.  No entanto, essa integração nos conduz a paradoxos que poucos conseguem perceber. As obrigações que a conexão que nos impõe promove, em nível global, uma apoteose da mediocridade. No movimento das teclas, os comportamentos humanos são tornados públicos em uma velocidade impressionante. Essa publicidade, em grande parte atrelada à diversão, revela a força da banalidade na sociedade brasileira. O espaço virtual vem se tornando ao longo do tempo uma plataforma dominada pela superficialidade do pensamento, um lugar onde o testemunho pessoal se aproxima intensamente da inutilidade crônica. O fluxo de informação das redes sociais acolhe e multiplica uma enorme quantidade de fatos e pensamentos fúteis através de uma linguagem superficial, de fragmentos de palavras e frases que agridem continuamente o bom senso.
                Não que a frivolidade seja ruim, contudo assusta-me o predomínio da futilidade.  É evidente que a rede pode ter seu espaço para a distração; inegavelmente, a troca lúdica é benéfica para a manutenção e qualidade dos laços sociais. Nas redes, entretanto, parece que o vírus da mediocridade não admite concorrência. A cada segundo, homens e mulheres de diferentes níveis de escolaridade e de idade variada transformam-se em propagadores desse vírus. Enredados pela obrigatoriedade da conexão, muitos se entregam à intensidade de uma escrita que traduz momentos pessoais que pouco interessam aos interlocutores. O fato de lavar uma meia ou pintar as unhas adquire status de manchete de primeira página na visão daqueles que compartilham tais movimentos. Frases de efeito (banais!) surgem com a vitalidade de um pensamento filosófico ou dogma religioso; e se espalham, e se repetem, e se renovam, e ganham aliados. E o pior: influenciam significativamente.
                Essa realidade traz implícita uma série de pressupostos que não podem ser ignorados. Algumas hipóteses: vejo uma sociedade mais preocupada com a distração do que com a formação. Ao mesmo tempo em que a individualidade desponta, são postos em cenas valores ligados à consagração do prazer ininterrupto, de um hedonismo que não admite o sacrifico necessário ao amadurecimento; vejo sujeitos que utilizam mal o seu tempo, desperdiçando suas capacidades físicas e intelectuais em prol do dogmatismo da banalidade; vejo pessoas que necessitam cultivar um sentido maior para a existência, assim como um modo melhor de interagir com outras pessoas; por fim, vejo mentes inábeis, pensamentos alheios ao autoconhecimento, ao aprendizado e à construção de ideias maduras e relevantes para o crescimento individual e coletivo. Vivemos na era do fragmento: da escrita fragmentada, das interações superficiais, enfim, do pensamento esmigalhado pela permanente falta de vontade (ou incapacidade) de superação do ócio existencial.
                Total culpa das redes sociais? Não encaro dessa forma. As redes são espelhos que divulgam o que já era propalado em menor escala e que ainda existe nos variados microcosmos de nossa sociedade. Mas é óbvio que elas não são apenas espelhos; as redes tiveram grande influência para a realidade que testemunhamos hoje. Elas têm sua parcela de atuação. Todavia não coaduno com a idéia radical de que a rede é algo perverso. Elas são mecanismos legítimos de interação; entre os inúmeros méritos, pode-se mencionar a poderosa força de veiculação de projetos coletivos e a troca afetiva com entes que estão distantes.
Sobre os paradoxos que as redes carregam, vale associar à máxima escrita por Schopenhauer no século XIX:  “Os mesmos acontecimentos, ou situações exteriores, afetam de modo diverso cada pessoa e, em igual ambiente, cada um vive num mundo diferente” (Aforismos sobre a sabedoria de vida)
                Para terminar, gostaria de citar a referência que Zuenir Ventura faz a José Saramago em sua crônica “O poder da irrelevância” (O globo, 04/02/2012), crônica essa que trata da força que os bordões (que Ventura chama de ‘meme’) possuem na internet: “Pouco antes de morrer, José Saramago diagnosticou a ‘tendência atual para o monossílabo’ como forma de comunicação. Ele se referia ao twitter, mas, exagerando, pode-se estender o fenômeno ao meme. A sua previsão é de um pessimismo hilário: ‘De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido’”. Não sei se concordam, mas eis aqui uma coisa que vale a pena repetir e repassar.

Hudson dos Santos Barros