Assistimos massivamente à vitória
da irrelevância e do fragmento. A crescente possibilidade de conexão e geração
de fluxo nos impele cada vez mais a marcar os passos da nossa existência no
mundo. Atualmente, o volume de informações nas redes sociais mostra um caminho
sem volta nas relações humanas: estamos condenados a nos integrar de alguma
forma ao universo virtual. No entanto,
essa integração nos conduz a paradoxos que poucos conseguem perceber. As obrigações
que a conexão que nos impõe promove, em nível global, uma apoteose da mediocridade. No movimento das teclas, os
comportamentos humanos são tornados públicos em uma velocidade impressionante.
Essa publicidade, em grande parte atrelada à diversão, revela a força da
banalidade na sociedade brasileira. O espaço virtual vem se tornando ao longo do
tempo uma plataforma dominada pela superficialidade do pensamento, um lugar
onde o testemunho pessoal se aproxima intensamente da inutilidade crônica. O
fluxo de informação das redes sociais acolhe e multiplica uma enorme quantidade
de fatos e pensamentos fúteis através de uma linguagem superficial, de
fragmentos de palavras e frases que agridem continuamente o bom senso.
Não
que a frivolidade seja ruim, contudo assusta-me o predomínio da
futilidade. É evidente que a rede pode
ter seu espaço para a distração; inegavelmente, a troca lúdica é benéfica para
a manutenção e qualidade dos laços sociais. Nas redes, entretanto, parece que o
vírus da mediocridade não admite concorrência. A cada segundo, homens e
mulheres de diferentes níveis de escolaridade e de idade variada transformam-se
em propagadores desse vírus. Enredados pela obrigatoriedade da conexão, muitos
se entregam à intensidade de uma escrita que traduz momentos pessoais que pouco
interessam aos interlocutores. O fato de lavar uma meia ou pintar as unhas
adquire status de manchete de
primeira página na visão daqueles que compartilham tais movimentos. Frases de
efeito (banais!) surgem com a vitalidade de um pensamento filosófico ou dogma
religioso; e se espalham, e se repetem, e se renovam, e ganham aliados. E o
pior: influenciam significativamente.
Essa
realidade traz implícita uma série de pressupostos que não podem ser ignorados.
Algumas hipóteses: vejo uma sociedade mais preocupada com a distração do que
com a formação. Ao mesmo tempo em que a individualidade desponta, são postos em
cenas valores ligados à consagração do prazer ininterrupto, de um hedonismo que
não admite o sacrifico necessário ao amadurecimento; vejo sujeitos que utilizam
mal o seu tempo, desperdiçando suas capacidades físicas e intelectuais em prol
do dogmatismo da banalidade; vejo pessoas que necessitam cultivar um sentido
maior para a existência, assim como um modo melhor de interagir com outras
pessoas; por fim, vejo mentes inábeis, pensamentos alheios ao autoconhecimento,
ao aprendizado e à construção de ideias maduras e relevantes para o crescimento
individual e coletivo. Vivemos na era do fragmento: da escrita fragmentada, das
interações superficiais, enfim, do pensamento esmigalhado pela permanente falta
de vontade (ou incapacidade) de superação do ócio existencial.
Total
culpa das redes sociais? Não encaro dessa forma. As redes são espelhos que
divulgam o que já era propalado em menor escala e que ainda existe nos variados
microcosmos de nossa sociedade. Mas é óbvio que elas não são apenas espelhos;
as redes tiveram grande influência para a realidade que testemunhamos hoje.
Elas têm sua parcela de atuação. Todavia não coaduno com a idéia radical de que
a rede é algo perverso. Elas são mecanismos legítimos de interação; entre os
inúmeros méritos, pode-se mencionar a poderosa força de veiculação de projetos
coletivos e a troca afetiva com entes que estão distantes.
Sobre os
paradoxos que as redes carregam, vale associar à máxima escrita por Schopenhauer no século XIX: “Os mesmos acontecimentos, ou situações
exteriores, afetam de modo diverso cada pessoa e, em igual ambiente, cada um
vive num mundo diferente” (Aforismos sobre a sabedoria de vida)
Para
terminar, gostaria de citar a referência que Zuenir Ventura faz a José Saramago
em sua crônica “O poder da irrelevância” (O
globo, 04/02/2012), crônica essa que trata da força que os bordões (que
Ventura chama de ‘meme’) possuem na internet: “Pouco antes de morrer, José
Saramago diagnosticou a ‘tendência atual para o monossílabo’ como forma de
comunicação. Ele se referia ao twitter, mas, exagerando, pode-se estender o
fenômeno ao meme. A sua previsão é de um pessimismo hilário: ‘De degrau em
degrau, vamos descendo até o grunhido’”. Não sei se concordam, mas eis aqui uma
coisa que vale a pena repetir e repassar.