domingo, 1 de julho de 2012

Distância entre gerações


Quando você tiver a minha idade

Certo dia, chegando de um dia exaustivo de trabalho, ouvi uma intrigante frase de um vizinho: “Quando você chegar na minha idade...”. O incompleto enunciado teve origem após minha atestação de cansaço. Meu semblante, meu corpo e minha voz refletiam não apenas o cansaço do dia, mas minha intensa jornada de meses de árduo trabalho. Aquela semana em particular foi pesada. Ao subir as escadas e me deparar com o vizinho, fiz o espontâneo desabafo. Desabafo esse que era quase um pedido de conforto, uma exigência implícita de palavras que atenuassem aquele meu calvário particular. Nem imaginem o que quanto eu fiquei chateado com a tal frase: “Quando você chegar na minha idade...”. Mas afinal por que deveria ouvir palavras de conforto? Minha relação com o vizinho sempre foi somente o da mera formalidade (até quando havia algumas informalidades!); não existia amizade, tampouco um pacto familiar.  Aquele senhor era simplesmente um conhecido que morava perto de mim, um homem com quem eu havia conversado banalidades algumas vezes. Nossa interação era simplesmente balizada pelas regras de obrigação de convivência. Só. Na verdade, não fiquei chateado com a falta de empatia; fiquei realmente chateado com a tal frase, essa irritante frase que me fez realizar algumas ponderações que eu gostaria de compartilhar aqui.
O que me deixou irritado é que o referido enunciado me passou um certo ar de superioridade. Implicitamente parecia que o senhor dizia: “Eu já cumpri meu papel social: trabalhei árduo durante boa parte da vida, me aposentei com merecimento e ainda me sobrou bastante energia para viver. Você é jovem, ainda não cumpriu seu papel, fez muito pouco, por isso não tem o direito de reclamar ou de ficar cansado. Se você está reclamando, você é um fraco. Veja minha geração: forte e cumpridora dos deveres. Somos vencedores...”.  Viagem minha? Talvez. Não estou aqui afirmando categoricamente que a intenção do vizinho foi a de desprezo. No entanto, essa minha paráfrase do suposto implícito reflete um pensamento que já me foi verbalizado algumas vezes. Homens e mulheres de idade bem avançada já me confessaram orgulhosamente sua superioridade em relação aos de bem menos idade. Trata-se de um discurso que esbanja uma força quase vingativa e que menospreza a quantidade e a qualidade das atividades dos mais jovens. Esta jovem geração (não me arrisco a fazer uma seleção etária sob o risco de ser linchado) está reclamando à toa? Desejo lembrar que a quantidade de demandas que caem sobre nós é imensa. Não quero aqui comparar épocas. Só estou afirmando que hoje a carga de informação e deveres que recebemos é muito grande. Mergulhados no boom do avanço tecnológico, somos intensamente tragados em uma rede de ações que tornam o trabalho, o estudo e até o lazer um tornado ininterrupto de ocupações. Os jovens que estudam seriamente ou que trabalham de forma comprometida ou que estudam e trabalham com responsabilidade estão muito ocupados. A rapidez da troca em mundo pós-moderno tecnológico, consumista e hedonista nos conduz por caminhados desconhecidos pelas gerações anteriores. As obrigações de hoje (de trabalho, de estudo, afetivas) são diferentes. Não quero afirmar que são maiores do que as de antigamente;  entretanto, não se pode negar nossa nova realidade: nosso cotidiano nos impõe atividades que nos sugam as forças de modo avassalador!
Quanto a mim, gostaria de expressar rapidamente minha indignação. Talvez eu encontre algum leitor que se encontre em posição parecida com a minha.
Prezado vizinho, não quero entrar em pormenores, contudo lhe digo o seguinte (até com um pouco de orgulho, admito): diariamente tenho que acordar cedo para estudar e trabalhar. Tenho que cumprir uma dura jornada que se estende, em certos dias, até a noite. Sei que o senhor fez isso (algo parecido) também em sua juventude. No entanto, nossos caminhos são bem diversos. Sou jovem sim, mas já realizei muitas coisas que você na minha idade nem sonhava em fazer. Sei disso pelo que já conversamos. Se quiser saber o que já fiz e venho fazendo, podemos conversar pessoalmente um dia, sem formalidades, sem pré-julgamentos. Sou uma pessoa ativa, esforçada e sonhadora, que busco algo além do padrão de vida que você considera como a grande essência da vida. Que padrão é esse? Trabalhar, comer, descansar, pagar as contas; trabalhar, comer, descansar, pagar as contas; trabalhar, comer, descansar, pagar as contas. E para quê? Para se aposentar, comer, descansar, pagar as contas. O senhor me desculpe, mas chego cansado porque quero tentar burlar um pouco esse padrão. Já estou conseguindo em grande parte. Quero mais do que esse paradigma da sobrevivência. Por tudo isso, tenho o direito de ficar cansado e reclamar. Sou uma pessoa que estuda e que trabalha bastante, sou um jovem imerso em mundo bem diferente do seu, um mundo com pressões e desejos bem diferentes dos seus. Desculpe-me (deixo claro que respeito seu modo de vida embora não concorde), mas não quero uma vitalidade que se rejubila em seu cômodo padrão.
Espero chegar à idade do meu “algoz” com saúde, paz e vitalidade. Espero não chegar cansado ou acomodado. Apesar de minha irritação e do desabafo acima, não censuro totalmente o meu vizinho. Imagino que ele tenha feito grandes avanços em relação ao pai, mesmo se acomodando no paradigma acima do qual desdenhei. Imagino também que existe um orgulho dele por uma dupla façanha: superar os padrões do pai e incorporar com sagacidade parte desses padrões. Acho até que a consideração que ele fez tem como base alguns jovens que ele conhece (até da própria família), que não possuem metas ousadas, tampouco vidas ousadas. Devo ressaltar, todavia, que muitos jovens estão ousando, isto é, estão buscando ir bem além da cultura que lhe é imposta. São eles que, assim como eu, sofrem os impactos deste novo mundo e que tentam tornar suas vidas mais significativas. Esses jovens também têm o sacro direito de se cansarem.
Talvez eu chegue na idade de meu vizinho com um orgulho similar. Entretanto, tentarei reconhecer o esforço dos jovens batalhadores. Esse é, sem dúvida, um importante desafio desta geração de jovens que um dia se aposentará (quero chegar lá, mas sem pressa). Isso porque os julgamentos precipitados impedem as trocas que constroem os mais belos modos de se viver. 

Hudson