Há alguns anos, vi de relance o título de um artigo que nunca cheguei a ler. Enquanto eu passava apressadamente perto de uma banca de jornal, meus olhos percorreram por segundos o curioso título no canto superior direto de uma revista: "O que vem depois do prazer?". Embora não tenha parado para comprar a revista e satisfazer minha curiosidade, fiquei com a pergunta na cabeça. As obrigações do dia e da semana, no entanto, abafaram a curiosidade e simplesmente acabei ignorando a indagação. Só fui lembrar da frase novamente quando passei pela mesma banca três ou quatro dias depois. Nessa outra passagem, notei que a revista não estava mais à mostra. Também não perguntei se havia exemplares guardados. Afinal, eu nem sabia o nome da revista! E ainda imagine só a situação: "O senhor ainda tem aquela revista que fala sobre o que vem depois do prazer?" Talvez ele até se lembrasse, mas fiquei embaraçado e parti. Além disso, eu estava com pressa novamente. Para variar. O fato é que não me preocupei mais com isso e segui cada vez mais ocupado com as inúmeras obrigações do cotidiano. Aliás, fato esse bem comum em nossos dias tão apressados e tão parcos de curiosidade...
Lembrei-me recentemente desse fato quando assistia a um pequeno vídeo na internet falando sobre individualismo e consumo. O vídeo trazia interessantes reflexões sobre como o modo de vida no mundo globalizado nos torna reféns de atos e pensamentos baseados na incessante busca da satisfação pessoal. A discussão girava em torno da contradição que a todo momento nos cerca: centramos nossa vida na fruição contínua do prazer, mas o preço que pagamos é a despercebida e vil dependência consumista que nos faz trabalhar e nos sacrificar cada vez. Foram tais questionamentos que trouxeram novamente à minha mente aquela pergunta do artigo. Além da pergunta, considerei minha própria atitude nos dias em que passei pela banca de jornal: eu simplesmente não me importei com minha curiosidade. Em prol de atividades consideradas mais urgentes, eu talvez tenha permitido passar uma significativa oportunidade de aprendizado, uma decisiva etapa de construção de conceitos de grande valor.
Talvez o documentário tenha me conduzido a levar a questão a sério demais. Ou talvez as pessoas para quem eu tenha dirigido a pergunta posteriormente não estivessem preparadas para assumir uma reflexão mais ampla. É possível também que eu tenha sido impertinente. Afinal, há muito o que fazer, por que se perderia tempo com isso?
O que vem depois do prazer? Um colega me respondeu matreiramente: "O sono!". Um outro ainda chegou a pensar por alguns segundos e disse: "A sobremesa". Uma amiga também tentou e chegou a seguinte conclusão: "O tédio". Diversas foram as respostas, porém aquela que mais me cativou foi a seguinte: "A busca por mais prazer". Tem lógica. A vida atualmente não é centrada nas múltiplas experiências de satisfação individual? Nada mais lógico de que o fim de um determinado prazer seja apenas mais uma etapa de nosso recorrente ciclo de perpetuação dos momentos de satisfação pessoal. Assim, uma vez satisfeitos, devemos esperar, a fim de termos mais do mesmo ou de algum outro contentamento que nos acomode. Nada mais lógico. Nada mais trágico do que determinadas lógicas.
Toda essa situação me fez perceber o quanto estamos distraídos para assuntos de valiosa repercussão em nossa vida. Refletir sobre determinados temas ou conceitos tornou-se uma perda de tempo, ler artigos ou livros só parece ter algum valor quando relacionado a um objetivo pragmático de curto ou médio alcance - um concurso, uma avaliação da faculdade, um curso, uma capacitação do trabalho. O que perdemos com tal pensamento pragmático? Oportunidades singulares de resignificação de nossa visão de mundo, perdemos inúmeras chances de conhecer as grandezas de outras linguagens, de nos aventurarmos em desconhecidas e preciosas manifestações da inteligência e do sentimento. Quando nos acomodamos em nossa desatenção, despejamos nosso melhor em infrutíferas rotinas disfarçadas de dever cumprido ou de prazer satisfeito. Estamos tão empenhados em cumprir nossas obrigações, que esquecemos que a vida pode ser mais do que uma série de ações a serem executadas automaticamente. Ficamos tão focados nos variados prazeres que nos interessam, que não vemos que a existência pode nos oferecer mais do nossa limitada sensação de alegria.
Minha resposta à pergunta acima? Essa resposta, na verdade, depende de vários fatores, não é tão simples assim. Tentarei então uma resposta possível que englobe um conceito amplo de prazer. O que vem depois do prazer? Acredito que seja a reflexão. Isso porque frequentemente nos esquecemos que nem todo prazer pode ser benéfico para nós ou para o outro. A vivência de certas satisfações pode esconder inúmeros danos para a nossa saúde - por saúde, eu considero tanto aquela relacionada ao corpo quanto à alma - e pode também estar associada direta ou indiretamente ao prejuízo alheio. Muitas vezes, a obtenção e a experimentação inconsequente de um bem-estar nos lança a um inconsiderado futuro de desgostos. Por isso, refletir sobre o efeito de determinadas escolhas e sensações em nossa vida nos possibilita atingir um nível maior de consciência a respeito de nossas reais necessidades. Se somos dependentes do prazer, não temos que necessariamente nos entregar como escravos a todas as situações que nos conduzam a ele. Acredito que podemos ser mais do que aventureiros insensatos em contínua fruição dos desejos. Se somos dependentes do prazer, podemos, pelo menos, refletir sobre sua qualidade. Quando digo "qualidade", não estou aludindo aqui à intensidade de produção de um bem-estar. Estou considerando como qualidade aquilo que nos torna mais ricos em sensata felicidade.
Imagino que o prazer o qual a revista mencionava estava possivelmente ligado a uma área específica - comida, sexualidade, atividades festivas. Parece que nunca vou saber ao certo, creio que nunca mais verei aquela revista novamente. Talvez uma situação parecida ocorra comigo de novo. São tantos os nossos deveres diários e tantos os assuntos que nos cercam, que perder de vista um artigo interessante pode ocorrer facilmente. No entanto, essa minha história de pressa e descaso me levou a pensar sobre o perigo da distração ou da desatenção em nossa vida. Levou-me a pensar sobre os incontáveis aprendizados e reflexões que deixamos de lado em nosso caminho de obrigações e prazeres tão urgentes e, por vezes, tão vazios. Obrigações e prazeres esses que desconsideram com frequência a escuta, a paciência, a empatia, a solidariedade e o amadurecimento e nos impedem de experimentar uma existência com menos egoísmo e mais sabedoria.
Hudson S. B.
A sensação de eterna busca, descrita no texto, realmente pode ser vazia e cegar nossa visão sobre o essencial. Viva a alegria, mas tbm a tristeza!Parabéns Hud!
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