Somos
obrigados a não acreditar em Deus? Como o ser humano ama polarizações. Há
alguns séculos aqueles que manifestavam seu ateísmo eram severamente
condenados; não acreditar em Deus ou na religião cristã era uma ofensa tão
grande que, em muitos casos, o herege era sentenciado a uma estúpida morte.
Atualmente ser ateu ou silenciar seu credo religioso parece ser quase uma norma
(um dogma?!) do lado estúpido do “politicamente correto”. Geralmente existe uma
grande associação da ideia de respeito à diversidade religiosa do nosso país a
um impedimento tácito da livre expressão de fé em determinados lugares. Não
expressar seus valores religiosos em certos lugares (escola, clubes, trabalho)
acaba sendo uma regra geral. Surge aí uma grande contradição: todas as
religiões devem ser respeitadas, nenhuma delas pode ser manifesta de forma tão
livre assim.
A
JMJ-2013 mostrou que a religião ainda tem lugar no coração de jovens e de
homens e mulheres brasileiros de variadas faixas etárias. Vimos, na última
semana de julho, o fervor religioso de milhares de pessoas desejosas de valores
maiores do que a corrente absolutização
dos valores materiais. Podemos notar também que o evento nos deixou como legado
algumas lições importantes que mostram como a religião cristã e seus ensinamentos
não precisam estar necessariamente presos a um frio estudo histórico ou
sociológico ou a um conjunto de interessadas estratégias políticas.
Algumas lições da JMJ:
Política e religião podem dialogar
inteligentemente
No
dia 23, o papa Francisco profere seu primeiro discurso. A presidente Dilma foi
a única a discursar e aproveitou o momento para falar sobre a legitimidade das
manifestações (de seu governo) de junho em sua luta pelos interesses da
população e em prol da ética, do respeito e da transparência nos processos
democráticos. Ela discursa sobre a crença de um amanhã melhor, sobre a fé dos
brasileiros em futuro mais igualitário. O papa, por outro lado, concentra-se na
mensagem religiosa. Entre as várias frases de efeito, destaco uma que é
emblemática na missão do pontífice em sua vinda ao Rio: “Cristo bota fé nos
jovens”. Houve críticas em relação a uma suposta postura apolítica. Ledo
engano. Francisco apenas preparava o caminho para sua jornada de pleno
engajamento na realidade do povo brasileiro. Ao longo da semana, o papa
mostrou-se um religioso preocupado com a globalização da indiferença, com a
inserção do jovem no mercado de trabalho, com a injustiça social, com a
violência, com a corrupção, enfim, com várias questões que atingem em cheio
nossa cultura plena de beleza e contradições. Vimos claramente que religião e
política, apesar de nossos odiosos pesadelos históricos, podem interagir de
modo constante e eficiente. Ser religioso não implica estar alheio às condições
sociopolíticas da atualidade brasileira e mundial. Agora, ser político
possibilita, muitas vezes, que a religião funcione como ponte “eleitoreira”...
Religião também é partilha e calor humano
No
dia 24, fez um frio incomum no Rio. Mesmo assim milhares de fiéis dormiram na
praia de Copacabana à espera da programação do dia. Repentinamente ecoa uma voz
sonolenta no meio dos fiéis: “Para Deus não tem frio ou calor, só a fé”. Um
coro responde: “amém”. Loucura ou sabor de viver? As diferentes nacionalidades
e idiomas não impediam aquela partilha generosa de alimentos e bebida.
Famílias, amigos e desavisados acordavam para mais um dia de prática coletiva
da fé. Houve até corajosos que se aventuraram em dar um mergulho “desperta pra
vida” nas águas gélidas da praia. Muita coragem mesmo (grande insensatez, na
verdade). Viva o calor humano!
Confiar em Deus, agir com cautela.
Confiar
em Deus, um dos muitos e importantes preceitos do pensamento cristão: “confie
em Deus, amigo, mas falar no celular em uma rua escura de Copa...”. No sábado,
dia 27, dia da vigília pascal, uma jovem chorava copiosamente porque seu
celular havia sido roubado. A jovem estava em uma rua paralela ao evento e,
enquanto utilizava o aparelho, uma adolescente mal vestida toma o celular de
suas mãos e passa para outro adolescente que corre rapidamente para outra rua.
Lamentável. É tipo de situação que dificilmente tem solução imediata. Críticas
e falas de apoio frente ao acontecido e uma lição essencial para eventos desse
porte: confiemos em Deus, mas cuidados com os homens...
A religião não precisa ser indiferente às
diferenças.
Me
aproximei de alguns jovens com umas bandeirinhas da Argentina para me informar
sobre suas impressões sobre o Rio e sobre o evento. Eu quis obviamente praticar
um pouco de meu castelhano também. Para minha surpresa, esses jovens não eram
argentinos, mas brasileiros. “Esse é um momento de união, de paz e troca.”,
enfatizou um deles. Senti uma mistura de encanto com tristeza. Tristeza porque
geralmente a visão que muitos brasileiros têm dos argentinos e de outros
estrangeiros é bastante preconceituosa. Pouco conhecimento associado a um
provincianismo alienado, por isso o preconceito se espalha em atos explícitos e
implícitos, em falas e pensamentos irrefletidos escondidos perversamente no
humor descabido de mentes incautas. Sobra sentimento espúrio para o “paraíba”,
para o negro, para o devoto... O que fiz depois dessa tristeza? Comprei minhas
bandeirinhas da Argentina, não apenas para guardar de lembrança, mas
principalmente para externar minha convicção permanente no diálogo com a
diferença.
O papa é pop, mas não é Deus.
É
incrível (e assustador) a capacidade do ser humano em criar astros pop. O New York Times do dia 28 compara
a popularidade do papa com a de um rock
star. O artigo destaca não apenas a simpatia do pontífice, mas sua
habilidade em agir como uma pessoa pública no exercício de seu ministério. Era
realmente impressionante (repito: assustador!) assistir à passagem do papa móvel
na orla de Copacabana. Gritaria, gente se empurrando, animação... Algumas mães,
estrategicamente, “usavam” seu bebê para conseguir espaço em meio à multidão e
se aproximar da grade de isolamento para tentar um toque ou um gesto de carinho
de Francisco. Naquela confusão toda, fiquei me perguntando se muitas dessas
pessoas compreendiam o significado da jornada e da presença do papa no Rio.
Será que aquele momento se tornaria somente mais uma foto ou um vídeo na rede
social?
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