quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A felicidade precisa ser nomeada


A felicidade precisa ser nomeada. Muitos (ou talvez todos) esqueceram essa pronúncia doce, marcante e oportuna. Não transformar em sons esse conceito tão poderoso não significa apenas um desleixo lingüístico: trata-se de um sintoma que evidencia um desleixo consigo próprio. Fala-se de dinheiro, de contas, de trabalho, de divertimento, mas quase nunca a felicidade é posta em discussão. Todos querem ser felizes (a maioria talvez), contudo não percebem (não questionam) que a vida está acontecendo. O automatismo das ações, dos falares, dos sentimentos, do consumo, dos contatos, enfim, da vida, atrofiou parte de nosso pensamento que delibera sobre a importância do presente, do estar com. A repetição e a ausência hoje são os paradigma de nossa sociedade de consumo. E os paradoxos se acumulam: Quanto mais temos, menos temos. Faltam-nos tempo, amigos ou relações sinceras; não nos damos oportunidade para expandir nossos conhecimentos ou nosso diálogo; quando se possui dinheiro, faltam sentidos; quando não se possui, os pensamentos vão longe: quando o dinheiro vier, farei isso ou aquilo... Será? Paramos de enxergar o valor do tempo e de tudo o que importa. As coisas passam, e a nossa redoma, nosso insignificante mundo, ou melhor, nossa ilha de conceitos vazios continua seu rumo ao nada. A felicidade não é nomeada, vista, ouvida, sentida, cheirada; o que importa é minha ilha (talvez nem ela tenha sentido, já que não reflito nunca: não tenho tempo para isso!), o resto do mundo que se adapte a ela.

Se compararmos o que fazíamos há três anos com que fazemos hoje, o que se transformou? O que somos hoje? Temos história para contar? E as desculpas são muitas: a economia, a falta de sorte, o fulano, o ciclano, etc. Obviamente que há situações e situações: não estou falando das intempéries desastrosas dos acidentes, das doenças ou de outras perdas. Esse é outro lado que deve ser considerado com muito cuidado. O ponto ao qual me refiro é: há muitas pessoas que não percebem a si próprias, não veem que podem muitas coisas agora. Não dão valor à saúde, à paz, ao que podem fazer para tornar a vida (mais) significativa. Fico transtornado quando dizem: “Estou doido que o ano acabe” ou “tomara que dezembro chegue logo”. Para quê? Para desejar que dezembro chegue novamente? Aí chego a um ponto da vida e digo: “O que fiz de interessante?”, “Ah se eu pudesse ter feito isso ou aquilo”. Seguimos sem saber para onde, simplesmente sobrevivemos, inevitavelmente vamos morrer. “Tomara que eu morra logo”. Quando desejamos todos os anos que o ano acabe, dizemos implicitamente isso. Nosso sintoma: engrandecemos o prazer e esquecemos a vida. Esquecemos que a renúncia temporária pode ser felicidade, que o aparente fracasso pode ser felicidade, que a infelicidade sentida é um adiamento, por vezes, necessário. Algo precisa mudar.

E o que é ser feliz? Somente aqueles que tentam enxergar a vida vão obter tais respostas. Não sou partidário de um relativismo total, tal como, “cada um sabe o que é melhor para si”. É claro que existem nuanças, isto é, felicidades. Entretanto, não se deve desprezar pontos comuns (Quais são? É só pensar um pouco), elementos que tornam humanos mais humanos. Também não sou partidário daqueles que curtem o carpe diem total (carpe diem = colha o dia), isto é, que vivem sem pensar nas consequências de seus atos, que acham que nada pode acontecer com eles... Considero a vida um projeto que permite se adequar à força do imprevisível: nem sempre aquilo que calculei ser bom será efetivamente bom. O difícil é colocar isso em prática... Que bom seria se soubéssemos nos planejar e nos organizar; que bom seria se não nos planejássemos e nos organizássemos tanto! O que teremos para narrar de significativo em um breve futuro?


Felicidades distantes


E quando pensarem que ainda há tempo

E que o tempo é escravo ou só descansa

Ou não pensarem

Todo descanso e trabalho serão inúteis

Tão inúteis quanto os objetivos ou a falta de objetivo

Tão inúteis quanto as certezas e as dúvidas

E quando essa gente que não enxerga despertar

O nome felicidade será apenas um corpo encolhido ou esmagado


Hudson

Pronomes determinados


Pouco de mim e dos outros,

Muitos e este muito que não se traduz,

Alguma satisfação em desejos quaisquer,

Tudo sem todos, a ilusão do bem constante,


Certo pudor e contradições inevitáveis,

Pouca certeza em tantas certezas,

Qualquer riso que se torna um mundo,

Outros e nada, nada para outros, outro nada,


Ninguém percebe os pronomes, tampouco a vida,

Várias palavras, palavras que aparentam o inacessível,

Cada gesto humano que continua afirmando,


Todos somos pronomes: substitutos ignorados da gramática da vida.


Hudson Santos.

Felicidade despossuída



Sigo, olho, ouço, não percebo...

Caminho, falo, calculo, distancio...

Tudo tão rápido e feroz e automático...

repetições, repetições, repetições...

Desatenção que minimiza...

Desatenção que minimiza...

Vazio, portanto, sou...

Vítima de mim mesmo...

Insensível, invisível, infiel, inerme...

Desinteressado, desinteressante, desintegrado...

Continuo, passo, permito, excluo...

E tudo passa enquanto penso e não posso...


Hsbrush


Procuração de vida


Venho, por meio desta, atestar felicidade a burocrática.

Declaro, para os devidos fins, que ignorei Deus, o outro e a mim mesmo.

Aos vários dias dos meses dos anos, em endereços esquecidos,

solicitei mais do que a vida é.

Atenciosamente, um homem indeferido pela falta de processo.


Confesso a Deus e a vós irmãos que omiti a vida por atos e restrições,

Rogai por nós que corremos de vós!

E não nos deixeis cair na burocracia das tentações.


Exige felicidade verdade a, libertará a e verdade nos.


Hudson dos S. B.

Divisão


Assim que cheguei ao mundo, desejei a felicidade: desejo criador

que molda e estabelece e ordena: é.

É a felicidade ao gosto do freguês, sem gelo, com pernas e emoção.

Ditadura de quem quer viver sem sentir o vento agradável da possibilidade.


Em certo tempo, uma luta se travou... o ideal e o real, o atual e o futuro,

o sentimento e a desrazão e tudo mais.

A felicidade cansou da ditadura e foi tomar um suco no botequim ao lado...

E agora?

E agora reina o inesperado, a ruptura o velho rigor do tem que ser assim.


Hudson dos Santos Barros.

Cálculo da felicidade


A felicidade distancia

pouco que afasta

ilusão de

controle


Calculei minha paz à custa do silêncio

O outro é apenas instrumento, porta de entrada

para mim mesmo (...)

O outro é pedra, parede, obstáculo, porta de saída

para mim mesmo (...)



Calculo os anos, as despesas, as pessoas

Tudo é somente número na soma que diminui e divide

Você é número, ele é número; “nós”, palavra vazia...




Distância.




Vivo no meu mundo e ignoro mundos

Morro para muitos e acredito ser completo


A felicidade distancia

pede pra sair

saia!


Esqueço passados, rostos, telefones

Tudo isso é intromissão neste pequeno mundo

Até que um dia... O medíocre isolamento!

O medíocre isolamento! O medíocre isolamento!

O cálculo se fez palavra > inesperado, inesperado (...)

E o cálculo não teve sentido, não teve significado:


Sozinha, sozinho, ela, ele, esperava uma visita, um telefonema, um e-mail.

Mas os números não podiam mais ser gente.

Não podiam mais.

Não mais.

Não.


Hsb.


Herança


Deixo ao mundo um nome,

Entrego palavras que se alastram em busca de.

Ofereço resíduos de vontades imperfeitas

E transmito ao atento herdeiro a expectativa do possível.


Deixo palavras que nomeiam a felicidade,

Entrego resíduos de mundos que desejam ser.

Ofereço uma atenta herança que se alastra

E transmito a vontade imperfeita da possibilidade.


Deixo a herança da memória que transmite,

Entrego nomes que oferecem novas expectativas.

Uma oferta de felicidade se alastra em resíduos

Sem a percepção atenta da testemunha perfeita:


Você. Eu. Herdeiros do possível.


Hudson.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010



Personificação necessária


- Seu olhar é necessário, é sublime audição.

Felicidade que contorna o ponto cego.


- Estou ao seu lado e meu silêncio é grito invisível e triste.

Felicidade descalça e agredida pela solidão.


- Um particular comprometimento? Mínimo, mas contundente?

Felicidade afastada e diminuída pelo outro silêncio.


- Talvez um toque. Ainda: o acréscimo do sorriso que exala o sabor da vida.

Felicidade que brota e morre como a poesia.




H. S. B.

Vazios

O uno: Deve ser assim!
O múltiplo: quero ser assim!

O uno: Sou feliz e você não vai ser!
O múltiplo: sou feliz sendo o que você não é.

O uno: Inferno, Exclusão, Futuro?
O múltiplo: vida, desejo, agora?

O uno: Lei...
O múltiplo: possibilidade...

O uno / O múltiplo: ( )

H.