terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Personagens, sentimentos, oscilações

Qual é a essência da persona? Ser persona-gem? Variados sentimentos e diversos modos de ser. Um corpo e múltiplas vidas. Estamos sendo; vivendo o mistério na possibilidade do mais.
E, testemunhando a vida, gravo estas indagações. Registro as vicissitudes e destaco seres humanos possíveis. Eis a e-ssen-cia destas novas postagens: sem querer saber, sem uma quaestio explícita, retrato a potência de uma humanidade veloz, distâncias sem pontos-finais...










A mulher de dois tempos

Quando ela ainda sabia subir nas árvores
Quando ela achava divertido sorrir sem saber por que
Tudo fugia no horizonte e a imagem era apenas doce
Não importava a dor ou o cansaço
Era tempo de subir nos troncos, nas colinas,
Desejar o céu e saber sonhar
Quando todos eram sérios, ela sabia sorrir
Cada gesto era somente gesto
Cada palavra abria mundos novos

Mas todo tempo tem seu tempo
As árvores não existem mais para subir
As colinas longe estão, só o distante verde sem tocar
A imagem se perdeu no ocupado pensamento
Ela agora tem um nome!
O céu está bem longe, bem distante!
Ela agora é séria, nem se lembra de sorrir
Em cada gesto, uma responsabilidade
A palavra que era mundo... mais imunda

Mas essa mulher de dois tempos
Não desaprendeu a viver
Ela sabe que no alto da árvore
Os sonhos ainda existem
E mesmo quando tudo está afastado
E mesmo quando aquele tempo se desfaz
A vida faz crescer uma árvore no
Coração da mulher de dois tempos

Huddie


O homem das mil casas

O homem das mil casas
abriu sua primeira porta hoje.

Havia se alegrado, dormido e sonhado.
Foi, então, que abriu a porta.

O mundo lá fora estava distante dos sonhos.
Não tinha mais sombra nem sossego sereno.

Não era só mais uma casa,
Nem só mais uma porta.
O homem das mil casas
sabia que tinha que voltar.
Gente grande, vida grande,
sem desconhecido, tudo é lar.
As viagens foram muitas,
Os encontros desencontros,
O cansaço animação, o sorriso despedida,
Muita coisa pra contar...

Teve gente chorando,
Vida partida e esse homem.
Houve até outra coisa e
Mais outra e algo mais.
Certas ruas se acabaram,
Mais de muitas, só começo.

Mas o homem das mil casas
sabe a porta que deixou.
Ele é homem pela casa que levou.
Ele precisa voltar: pra dormir,
pra sonhar e se alegrar,

Hsbrush

Beleza nua

Seu rosto era distância; seu corpo, solidão
Em meio a muitos, uma mulher só quer a vida
Ela queria ser feia, para não ser notada e viver querida

Todo olhar era suspeito, cada amar sem ilusão
Nas doces palavras ao vento, a dúvida e um não
Pois não sabia se era ela que o desejo alcançava

Uma mulher que desejava ser feia e o medo de sentir
Só lhe davam a aparência e não o existir
Assim continuou sem saber o seu valor

Seu gesto era poder de não poder viver
Uma beleza só de instante; para ela, de sofrer
Para os que viam, uma paixão; para a presa, opressão

Certo dia, finalmente seu querer
Definhou sua beleza, avançou sem perceber
Mudou o coração, outras batidas, outra vida

E de tanto se enganar, um coração feio
Assim ganhou, essa mulher que
Não podia em nada amar

Hudson
Personagem distante

Tudo parecia seguir seu curso normal,
Cada movimento era rotina, um dia era só um dia.
Um pouco do trabalho cotidiano, dos gestos cotidianos.
Até o amar fluía, do jeito certo, normalmente certo.
Em sua mente, a exatidão do tudo até
Que o corpo se desloca e os sentidos se transformam.


Sem perceber, um sentimento novo se lançava.
Havia mais do que a jornada, havia mais.
A certeza vira medo: o desconhecido: o que fazer?
Sem tanto saber, e sabendo o bastante, e projetos a serem revistos...
Ou não? Seguir o fluxo, suficientemente cômodo, por que não?
E, assim continuando, já não seria o mesmo.
A mente tentando esquecer, para logo, logo ser traída.

A decisão? De qualquer forma, cisão, um nunca mais para um lugar.
Jogo da vida que distancia, que faz sofrer e querer sofrer.
H.



O homem do tempo

Em cada movimento, a traição dos anos,
Sem esperar, sem sentir, um pouco do muito se transforma.
Nem tudo mais é força, quase nada é veloz.
A visão já não tem certo vigor e a voz,
A voz do mundo se perde, quase tudo é só barulho!
O pensamento vive, mas já não quer viver...

O que ficou?

O toque, mais do que memória, é expectativa.
O que os anos não tiraram, o gesto recupera,
O gesto que a saudade gera, o sabor do toque,
E o gesto inspira o inexprimível, os sentidos falam...

O que vale afinal?

Sem tanta vitalidade, o movimento continua,
Mas o pouco que ainda resta é ardor;
E quem sabe se esse pouco ainda será muito mais...

Hudson Barros



A mulher invisível

A mulher invisível parece não ter sentimento.
Ninguém existe para ela porque ela só existe para si.
Ela caminha numa realidade particular: tudo é apenas passagem,
todos são sombras e ainda sim obstáculos.

A mulher invisível somente vê o seu destino.
Seu impulso? O desejo. Sua voz? Manipulação.
Sua arte? Saber ser invisível para saber viver.
O outro? Uma peça. A vida? Um constante fazer
sem sentido, sem aplauso, só o inquestionável
dever de seguir invisível...



Elegendo alguns, ela tenta se mostrar
Uma pessoa comum, interessada e interessante.
Excluindo muitos, ela realmente manifesta:
sua arte é fria e calculista, sua arte é a distância na presença.
O futuro? Continuar invisível, deletar, ocultar nomes,
desejar, impor, manipular até

inesperadamente (na astúcia da vida) terminar
invisível e só.
E quando pensar que tudo está sob controle...
E se algum dia ela quiser existir, não haverá
mais nada, não haverá ninguém.
A mulher invisível não existirá nem para si.

Hsb