quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Distâncias Pronominais: um convite nominal

Vivemos nas distâncias. Essa assertiva é uma constatação empírica do mundo em que habitamos atualmente. É a partir dessa evidência que este blog tem sua razão de ser. Mas este espaço não será um diário onde serão postados acontecimentos específicos ligado ao tema da distância. Mais do que um relato de acontecimentos, este será um espaço do pensamento reflexivo, da troca e da emoção. Pretendo construir alguns versos que manifestem as variadas formas de distância. Acredito na pertinência do tema, na urgência de repensá-lo.

Vivemos nas distâncias. Em um mundo onde a comunicação se torna cada vez mais imperativa (trata-se de um percurso irrevogável) e onde a velocidade da rede impulsiona uma diversidade de novas linguagens, um ser humano longe do outro e de si se destaca. Novas formas de distância parecem ser criadas a cada segundo; a linguagem, o egocentrismo, a ausência, a desrazão, enfim, múltiplos sistemas de contratroca são gerados sob a aparência da conjunção. Estar com não é o mesmo que ser com. O outro, portanto, se apresenta a nós como uma peça em nossa engrenagem; e na velocidade das obrigações, vivemos sem saber conviver. No espaço compartilhado, pessoas se comunicam, se conhecem, riem, se estimam. Mas esse espaço é apenas passagem, é somente um lugar em meio a muitos outros. Escutar? Compreender? Preocupar-se com? Ligar? Compartilhar? O “com” torna-se um detalhe e a convivência um fardo necessário. Quem é o outro? Não sou “eu”, não é “você”, não é “ele”: no ritmo das novas distâncias, o outro simplesmente não é.

Vivemos nas distâncias. Essa é a realidade que gerou e impulsionará os textos aqui postados. As linhas aqui escritas têm a vocação da provocação. Quero provocar o pensamento, as emoções e a troca. Desejo que cada texto seja motivação para outros escritos (outros gêneros). Escolhi o verso, mas não me considero preso a ele. Tampouco quero isso do leitor. No vigor da linguagem, almejo lançar-me à procura da aproximação. Sem ilusões, é claro. No entanto, não objetivo me lançar sozinho: ao acenar o caminho, convido o leitor a se aproximar. Por isso, leitor, você está convocado a escrever também. Minha proposta: distâncias. Meu e-mail: hsbrush@gmail.com. Minhas saudações: bem-vindo!
Distâncias pronominais. Uma constação, uma evidência empírica. Mas que essas distâncias sejam amainadas (afirmo sem ilusão: elas nunca cessarão) no vigor da linguagem, na vontade de redimensionar modos de pensar e sentir. Que estas páginas virtuais cumpram seu papel de resignificar mundos sem impor condições. Que a palavra flua e seja e se reconstrua.

Por fim, agradeço imensamente a meus amigos Fábio e Jéssica. Sem eles, este blog não seria possível. Eles são os arquitetos, os administradores, os motivadores. São uma descoberta que me fazem crer ainda mais que amizade e convivência são valores que valem ser preservados com dedicação. Muito obrigado!

Hudson dos Santos Barros

Distâncias Pronominais

Vivemos em tempos de distâncias, distâncias pronominais.
Um toque, uma suspeita; uma palavra, múltiplos desvios.
O que antes aproximava, agora é silêncio.
Em lugar do cuidado, ausência e desprezo.

Vivemos na passagem e quase tudo é esquecimento.
Não há mais o dia, a palavra, o momento:
em tempos de pressa, não se pode guardar nada.
O que não se esquece? O dia errado, a palavra errada...

Vivemos na surdez do entendimento.
Palavras são apenas sons, palavras são gestos mímicos.
O que importa é não se importar:
Só escuto o que quero, só conheço o que quero.

Nem eu, nem você, tampouco nós (ele? ela?)
O que resta é o vazio da distância e
Esta nossa capacidade de fabricar ausências.
Somos pronomes que se apagam mutuamente.





Hudson dos Santos Barros.

Distâncias

Existe a distância que rouba,
Existe a distância que alimenta.
Quem me roubou a paz, precisa ir:
Nem imagem, intenção ou palavra...
Quem alimenta a minha paz tem que ficar:
Um gesto, dois pensamentos, três movimentos...
Uma distância cicatriza, a outra derruba,
Uma seqüela, a outra imortaliza.


Ela traz saudade e move mundos;
nela, sou gente, sou estrada...
Mas não existe distância, distâncias!
Aquela que rouba, que derruba e seqüela.
Essa que alimenta, cicatriza e imortaliza.
Estas que nos roubam a paz e trazem a saudade.
Estas que nos alimentam e nos fazem pensamento.
Distâncias que nos fazem gente...

domingo, 18 de outubro de 2009

A distância do tempo

O relógio está torto.
Movendo-se a passos lentos, fluindo sem interrupção.
O ponteiro acena ao inevitável: a passagem
e o silêncio...
Os minutos dobram, as horas dobram, as vidas dobram
e o relógio continua torto.

Cada ponta direciona uma vida que ( )
Os dois ponteiros se juntam e se separam.
Separam-se e, quando se juntam, tem que se separar.
O movimento dita a regra: separação lenta,
Inevitável, imperceptível, termitente.
Mesmo quando está torto, o relógio não para.

E se alguém, algum dia, perceber e endireitar o relógio,
os minutos, as horas e as vidas ainda serão.
No entanto, se o relógio for deslocado,
Talvez aí haja uma possibilidade, mesmo pequena,
de os ponteiros permanecerem juntos
acenando uma eterna luz do dia.












Hudson Santos

O nunca mais da distância

Nascemos para o nunca mais
Lugar da ausência, onde cada minuto
guarda a morte, a distância, a solidão acompanhada
Mundo de fé e fome, desrazão e fatiga
Quem somos, já não somos mais...
Do amigo ao algoz, da verdade para o fragmento
Da vontade para a indecisão, da ciência para a vaidade
Assim caminha a vida: como a folha
Que voa solta para ser pisada
Nunca mais: palavra certa para uma realidade incerta

Ter alguém é estar só, possuir é faltar
Encontrar é perder, viver é...
A força que impulsiona é a mesma que mata
Do olhar nasce a esperança e o impulso da maldade
No outro, vejo o mundo e nunca mais

Nascemos para o nunca mais,
A última vez de cada momento.
O eterno segundo passageiro,
O que nos resta?
Viver, sonhar, acreditar: nunca mais?
Hudson Barros

Palavras distantes

Mais do que imagem e som,
Além da carne e do sangue,
Somos livros inacabados, pedaços de texto,
Paráfrases das vozes, somos fragmentos,
Paródias do passado, ironias do presente,
Somos páginas de muitas páginas,
Narrativas de vários fins e começos,
Contradições em metáforas imperfeitas,
Somos ações sem leitura, leituras sem ações,
Mais do que história, livros em processo,
Páginas mal interpretadas, sem tanta explicação,

Hudson Rush

Os muitos pronomes do eu


Mais do que posso dizer

Além do que digo e faço...

Este “eu” foi imaginado, revisto.

Todos me dizem, me inventam, me destroem.

Não sou apenas carne e estou nas palavras.

Não sou apenas retrato e estou na imaginação.

E em meio a tanto dizer, quase nada fixo se revela

Na multiplicidade das vozes, me fazem significante...

E em muitos sentidos me destaco: estou imagem

do silêncio, do tumulto, da alegria, do desprezo,

da verdade, da mentira, do segredo...

Assim sendo, meu corpo se desloca, envelhece:

Nos muitos mundos sou o que querem, sou como me chamam.

Peregrino de muitos muitos, constantemente me torno, retorno,

Transtorno de um “eu” que é mais que pronome.



Estou.

Estou para quem sabe, algum dia ser.

Estou para me iludir que sou apenas eu.

Enquanto vou sendo plural de muitos nomes

E me distanciar e uma vida que o desejo me obriga a ter.



Hsbrush